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17/07/2023

Leilões já previstos podem levantar R$ 126 bi até 2024

Leilões já previstos podem levantar R$ 126 bi até 2024

Em leilões já anunciados até o ano que vem, o país vai demandar que os interessados em participar de projetos de transmissão de energia, rodovias, terminais portuários, mobilidade e saneamento invistam no mínimo R$ 126 bilhões. A estimativa é da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) a partir de certames com informações definidas ou em estágios mais avançados (além da realização de anúncio de intenções) -, alguns dos quais já têm editais publicados.

Além da lista (ver quadro abaixo), há outros eventos previstos para 2023 e 2024 mas que ainda não tem a definição de capex (investimentos). Também existem projetos que estão em etapa de estudos, mas com realização “dada como certa” em curto prazo, os quais valem ser destacados por seu potencial de atratividade.

São citadas as privatizações da Sabesp e da Copasa (MG) em saneamento básico. Ademais, se destravadas discussões envolvendo aeroportos, Viracopos, em Campinas (SP), Santos Dumont e Galeão, no Rio, integram a lista de ativos sob observação, destaca a Abdib.

Embora na visão de algumas fontes o mercado de infraestrutura caminhe com alguma cautela, economistas enxergam potencial aumento de interesse dos investidores em certames próximos.

Na avaliação de Cláudio Frischtak, presidente da Inter. B Consultoria Internacional de Negócios, o segmento de infraestrutura ainda precisa enxergar melhor as intenções do governo federal após ruídos e sinais de insegurança jurídica dos primeiros meses da atualgestão. Declarações do primeiro escalão sobre revisão do marco do saneamento básico e da privatização da Eletrobras, deixaram potenciais investidos temerosos com a possível mudança nas regras.

Apesar disso o cenário macroeconômico vem animando agentes. Um dos fatores para isso é a sinalização de queda da taxa Selic pelo Banco Central a partir de agosto. Outro é o andamento da primeira etapa da reforma tributária, que já passou pela Câmara e pode ser votada no Senado em agosto.

São dois elementos que, apesar de ainda não estarem concretizados, já contribuem para uma mudança de ambiente no mercado financeiro. O investidor que olha para o longo prazo tem elementos para pensar em migrar parte dos recursos em títulos atrelados à Selic para ativos de infraestrutura.

“Projetos de infraestrutura, da economia real de longo prazo, que têm risco elevado, concorrem diretamente [pela atenção do investidor] com ativos do mercado financeiro”, pontua Eric Brasil, sócio da Tendências Consultoria. “A sinalização do começo de um ciclo de queda da taxa básica de juros da economia e a aprovação de uma reforma tributária afetam as curvas de juros no longo prazo.”

O fato de o setor estar animado não elimina questões a serem observadas”

— Roberto Guimarães

A reforma tributária, se aprovada - à parte o debate que ainda ocorrerá no Senado -, derrubaria imediatamente a curva dos juros futuros devido à expectativa dos agentes em relação ao impacto das mudanças sobre a economia, explica Brasil.

Na Abdib, há leitura similar. “O apetite é muito grande”, acrescenta Roberto Guimarães, diretor do departamento de economia da entidade. A associação tem organizado workshops com participação de associados e agentes de governo e do mercado financeiro.

Guimarães diz que há um ano o cenário era mais nebuloso e havia então um movimento de “pé atrás” mais evidente. “Ali entre março e dezembro de 2022 houve um período de incertezas maior causado pela questão eleitoral, a alta taxa de juros, instabilidades internacionais e ainda o aumento do custo dos insumos”, diz. Alguns leilões foram cancelados ou tiveram “pouquíssimos participantes”.

Ainda assim, o volume de recursos que será efetivamente injetado em projetos em curso neste ano terá alta nominal de 11% em 2023 em comparação ao ano anterior, calcula a Inter.B. De acodo com a consultoria, os investimentos das vencedoras dos leilões devem alcançar R$ 204 bilhões nos primeiros cinco anos após o certame.

“Mas, o fato de [o setor] estar muito animado não elimina questões a serem observadas”, pondera o diretor da Abdib. Guimarães cita desafios relacionados à mão de obra, engenharia e preço de insumos. Ademais, o apetite por cada segmento varia conforme os riscos embutidos em cada um deles. Quanto menor o risco de implantação (engenharia, licenciamento ambiental, demanda e financiamento), mais atraente é o projeto.

Por ora, observa-se mais competição em transmissão de energia. Bom indicador do interesse do mercado, diz Frischtak, é o grau de concorrência em leilões recentes. Ele cita a disputa vista no certame de sistemas de transmissão do último 30 de junho, que atraiu R$ 15,7 bilhões em aportes. Já o leilão da rodovia Varginha-Furnas em Minas Gerais não teve disputa.

Transmissão tem menos risco, visto que a demanda por energia é firme. Não oscila mesmo com o debate relacionado à transição energética. Pelo contrário: o setor sinaliza alta de consumo com o uso de carros elétricos, lembra Brasil, da Tendências. “São projetos que consistem em botar o varal de pé. Funcionando e disponível, recebe-se receita fixa corrigida por inflação. É super previsível”, resume Marcelo Girão, head de project finance do Itaú BBA. Segundo Girão, o setor de transmissão é um dos “mais bancáveis” do mercado de capitais.

Em rodovias e saneamento o risco também “é bom”, avalia a Abdib. As rodovias ‘brownfields’ (já existentes), que precisam de ampliação, são mais atraentes, diz Guimarães. Saneamento é similar à transmissão energética: a demanda não oscila conforme a atividade econômica. O marco legal aprovado em 2020 contribuirá para atrair interessados. Isso não muda nem mesmo com os decretos apresentados pelo governo federal, em discussão no Legislativo, para rever parte das regras, mas isso pode atrasar projetos.

Já mobilidade urbana e ferrovias “estruturais” (de trechos longos) são menos atraentes pelas razões opostas: risco maior e demanda incerta. Ferrovias menores, com demanda definida, estão sob a lupa do setor privado, diz a Abdib. Ainda assim, a entidade defende a necessidade de “mitigadores de risco e participação de dinheiro público” para encorajar as empresas.

Frederico Barreto, coordenador do departamento de economia da Abdib, reitera a necessidade de ampliar o modelo das parcerias público-privadas (PPPs). O ministro dos Transportes, Renan Filho, disse recentemente que o ministério trabalha em modelos para ampliar a participação do setor privado nas obras de ferrovias, hoje quase integralmente nas mãos do Estado.

Os projetos de mobilidade urbana sob gestão de Estados e municípios trazem ainda mais desafios. Contudo, há exemplos que estão dando certo. É o caso da PPP da linha 6 do metrô paulistano, dizem os economistas. “O setor público não tem capacidade sozinho e não pode ser só o privado por causa do retorno de investimento”, completa Guimarães.

A aprovação do arcabouço fiscal deverá ampliar o caixa para investimentos do governo federal, que, nessa área, enfrentou “muito problema em função do teto de gastos”, disse. Em portos, por ora, a expectativa é de que ocorram apenas leilões de terminais.

Os agentes financeiros que lidam com infraestrutura acrescentam a necessidade de fazer mudanças em modelos de financiamento diante de uma participação cada vez maior do setor privado nesses projetos.

É preciso ajustar o modelo de project finance, por exemplo, diz Edson Ogawa, head de project finance do Santander, para o molde do mercado internacional. No project finance “puro”, o caixa do projeto paga a dívida tomada e há participação de seguradoras nos estágios iniciais, disse Frishtack.

O project finance é utilizado no país, mas com variações entre os modelos. As diferenças se resumem à exigência de garantias para a tomada de recursos em diferentes etapas da construção da obra. O BNDES trabalha em mudanças no modelo, disse recentemente ao Valor a diretora de infraestrutura do banco, Luciana Costa.

O banco já trabalha em alguns projetos com o molde “puro”, e está trilhando um “processo de aprendizado” prático. A Abdib avalia que essas mudanças não ocorrerão rapidamente. “O importante é que as mudanças estão no radar do BNDES”, disse Roberto Guimarães, diretor do departamento de economia da entidade. “O banco está trabalhando muito para destravar a pauta do financiamento da infraestrutura.”

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Fonte: Valor Econômico