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03/04/2023

Usuários criticam dispensa de metodologia para apurar abusos da sobre-estadia de contêineres

Usuários criticam dispensa de metodologia para apurar abusos da sobre-estadia de contêineres

Associações que representam usuários de portos criticaram a decisão da diretoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que não identificou elementos que comprovem de forma categórica casos de abusividade na cobrança de sobre-estadias de contêineres. Representantes de embarcadores analisam quais os impactos para os tomadores do serviço logístico e de que forma podem contestar os argumentos adotados pelo colegiado na última semana. Os usuários contestam, entre outros pontos, como é possível para a agência reguladora avaliar se o preço é abusivo sem uma norma para embasar tecnicamente esses critérios e dar segurança jurídica a essas análises.

A Antaq concluiu que não há abusividade de preços e que a prática de cobrança de sobre-estadia de contêineres no Brasil, em termos de custos e situações de cobrança, está ajustada à prática internacional, com exceção do Porto de Xangai, na China, onde são praticados preços inferiores. Na reunião de setembro de 2022 sobre esse processo, aberto em 2020, o diretor-relator à época, José Renato Fialho, recomendou a produção de um normativo por parte da Antaq. Na sessão da semana passada, porém, prevaleceu o voto da diretora-revisora, Flávia Takafashi, que propôs não entrar no mérito de qual seria a natureza da sobre-estadia e concluiu que não há necessidade de uma norma por não ter sido observada abusividade em tais práticas.

Após a decisão, a Associação Brasileira dos Usuários de Transportes e da Logística (Logística Brasil) estuda quais providências serão adotadas, A avaliação é que a diretoria da Antaq retrocedeu significativamente na regulação dos armadores por ter desconsiderado o estudo da equipe técnica, contidas na Análise de Impacto Regulatório (AIR) apresentada no processo. “Foi uma péssima sinalização para o mercado. Os servidores [da agência] ofereceram critério de abusividade que foi ignorado”, afirmou o diretor-presidente da Logística Brasil, André de Seixas. Para a associação, a sobre-estadia de contêiner, à luz das leis brasileiras, precisa ter sua natureza definida porque o status quo leva à abusividade da cobrança e à sonegação fiscal.

A Logística Brasil, que apresentou denúncia sobre essas cobranças abusivas ao Tribunal de Contas da União (TCU), alega que indícios de sonegação fiscal fizeram com que a Corte de Contas determinasse, em processo de regulação de sobre-estadia de contêiner, o envio do processo à Receita Federal para apuração de sonegação fiscal. O TCU também determinou que a agência levasse em consideração a natureza jurídica da cobrança. “Entendemos que a diretoria da Antaq descumpriu a decisão do TCU no sentido de garantir modicidade de preços”, afirmou Seixas à Portos e Navios.

O entendimento da associação é que, ainda que não caiba à Antaq apurar sonegação fiscal, quando um órgão público verifica que há indícios, como apontou o TCU, ele tem por dever ajustar os normativos para que não haja sonegação fiscal. O argumento dos usuários é que o transportador marítimo não costuma comprovar que está recompondo o dano, como preveem as leis fiscais brasileiras sobre indenização. “O armador simplesmente cobra o que quer. É um mercado concentrado, com diversas falhas”, lamentou Seixas.

O diretor-presidente da Logística Brasil ponderou que a entidade continuará a apoiar a regulação no país e se manterá atuante na agenda setorial pró-regulação contra a emenda 54. Seixas ressaltou que é preciso separar o trabalho feito pelas áreas técnicas da decisão do colegiado. “Vamos tomar providencias, estamos estudando quais serão. Houve um retrocesso grande provocado pela decisão de diretoria. Estamos separando os ‘deveres de casa’ que os servidores da Antaq do segundo e do terceiro escalões fizeram. Quem deixou de fazê-lo foi a diretoria, que abriu mão de criar talvez um belo modelo de regulação para o mundo”, declarou.

Para a Associação de Usuários dos Portos da Bahia (Usuport), ao não estabelecer critérios com limites para a sobre-estadia, a diretoria da Antaq passa para a sociedade que está preocupada em tutelar terminais de contêiner e transportadores marítimos. “A decisão da diretoria colegiada em afirmar que não identificou elementos que comprovem a abusividade da cobrança de sobre-estadias é resultado direto do modo de atuação da agência — regulação ex-post — desconhecendo a realidade sob a qual os importadores e exportadores estão sujeitos no dia-a-dia”, afirmou o diretor-executivo da Usuport, Paulo Villa.

Ele considera que existe um processo de desindustrialização em curso no país e que a diretoria da Antaq, com este tipo de decisão, está contribuindo para que isto ocorra mais rapidamente. “Se a agência atuasse preventivamente, cumprindo seu papel legal, ex-ante, certamente, evitaria problemas e facilitaria o comércio exterior, dando grande contribuição ao Brasil, o contrário do que está acontecendo”, apontou Villa.

O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) informou, por meio de nota, que ficou muito surpreso com o resultado, que entende ser ‘equivocado’, considerando que a equipe de técnicos da agência reguladora fez um ‘excelente e competente trabalho para ajudar a embasar a discussão, na expectativa de se obter uma decisão imparcial e exclusivamente técnica’.

Para o Cecafé, essa decisão traz insegurança e prejuízos ao setor exportador cafeeiro. “Nossa expectativa é que a Antaq revise o seu posicionamento, porque há subsídios técnicos, e profira uma nova decisão, mantendo-se coerente, técnica e imparcial, como a agência sempre se demonstrou em suas decisões”, disse o diretor técnico do Cecafé, Eduardo Heron.

A Associação de Exportadores de Açúcar e Álcool (Aexa), que representa empresas do setor sucroalcooleiro, também demonstrou descontentamento com a decisão tomada pelo colegiado, que divergiu da proposta anterior que previa trâmites normativos e institucionais com a finalidade de disciplinar a metodologia para determinar abusividade da cobrança. Para a Aexa, a proposta vencida, encaminhada pelo então diretor-relator, José Renato Fialho, no ano passado, foi plena em seu detalhamento e em observância aos procedimentos para apuração e análise técnica a serem cumpridos, tanto pelos interessados como pelo modus operandi a ser seguido pelos representantes da agência reguladora.

“Nosso entendimento é que o propósito do relatório de AIR (análise de impacto regulatório) é desenvolver metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêineres, o que de fato foi cumprido, ao contrário do voto equivocado”, manifestou a Aexa em nota. A associação também considera incongruente o comentário da diretora-revisora, Flávia Takafashi, que considerou em seu voto eventuais custos que, em caso de criação de metodologia, seriam gerados para estabelecer cobranças ou métricas específicas de abusividade nos casos concretos.

A Aexa também ressaltou que a decisão tomada determinou à Superintendência de Fiscalização e Coordenação das unidades regionais que elaborem a base de dados para fins de acompanhamento do comportamento de mercado. “É um resultado inconcebível para os exportadores e importadores que percebem que inexiste uma equanimidade no atendimento aos problemas de abuso há décadas, o que não os impedirá de reivindicá-las nas instâncias competentes”, afirmou a Aexa no comunicado.

Para o advogado Osvaldo Agripino, que representa associações de usuários, essa foi a pior decisão da história da Antaq, por entender que ela protege armadores estrangeiros e agentes intermediários, que se aproveitam de um modelo ex-post de regulação 'problemático' da agência, das greves da aduana, do Ministério da Agricultura e Pecuária e de caminhoneiros, para cobrarem valores considerados 'absurdos'. O jurista disse que os usuários foram surpreendidos com essa decisão da diretoria da Antaq, contrária aos estudos dos técnicos, que trabalharam quase três anos, e ouviram os usuários, indo na contramão da curva de aprendizado da agência.

“Um retrocesso. Estamos analisando os próximos passos e não gostaríamos de ir novamente ao TCU contra a Antaq. É uma luta de 10 anos. Decepcionante, pois depois de tudo isso, ironicamente, a diretoria ainda acredita que o usuário negocia o valor da diária de demurrage, quando ela é imposta, e que a maior parte dos problemas é resolvida nela, via denúncia do usuário”, afirmou o especialista do escritório Agripino & Ferreira.

Agripino alega que quase 100% das demandas são ajuizadas pelos credores no Judiciário que, diante de um valor abusivo, não têm critério do regulador, e a carga acaba condenada. “O armador tem na lei e nas convenções internacionais, a avaria grossa e a limitação da responsabilidade civil para reduzir o risco da sua operação. Ou seja, o Estado máximo para o armador e o Estado mínimo para quem paga a conta e tem o risco de pagar demurrage/detention em valores que podem chegar até 80 vezes o frete e 28 vezes o da carga”, criticou. “Esperamos que a diretoria reveja a sua decisão, totalmente desconectada com o que o usuário precisa e os estudos feitos por seus servidores, que questionam o status quo, que a diretoria manteve. É uma decisão contra o Brasil”, lamentou.

No voto contrário ao posicionamento da área técnica da Antaq e favorável à manutenção do status quo, a diretora-revisora justificou que não seria pertinente, neste momento, que a agência se manifestasse sobre a natureza jurídica da cobrança porque nem mesmo doutrinadores ou o poder judiciário chegaram ao entendimento consensual e também por haver dúvidas sobre a aplicação da natureza jurídica em relação ao Código Civil.

O desenvolvimento de metodologia para determinar abusividade na cobrança de sobre-estadia de contêiner, tema 2.2 da Agenda regulatória (2021-2022), foi considerado cumprido pelo colegiado e arquivado. A Antaq determinou que as superintendências de regulação (SRG) e de Fiscalização e Coordenação das Unidades Regionais elaborem uma base de dados com vistas à realização de diagnóstico futuro.

Fonte: Portos e Navios