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16/09/2022

Artigo: Uma renovação de ferrovia vantajosa para quem?

Artigo: Uma renovação de ferrovia vantajosa para quem?

Enquanto o Ministério da Infraestrutura corre para prorrogar contrato da FCA, a sociedade segue sem respostas quanto à vantajosidade do processo  

A notícia de que o Ministério da Infraestrutura (MINFRA) estaria disposto a enviar ao Tribunal de Contas da União (TCU) uma nova proposta de modelagem para a renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) até dezembro (leia-se antes do término do atual mandato de Jair Bolsonaro) acendeu um alerta vermelho entre todos que se interessam por investimentos e melhorias na infraestrutura brasileira. O incômodo dessa suposta “corrida contra o tempo” pela prorrogação por mais 30 anos do contrato de concessão da ferrovia firmado com a FCA vem de uma palavra-chave: vantajosidade.

É este o principal critério que a Lei 13.448/17 prevê para a renovação antecipada dos contratos de concessão das ferrovias brasileiras e que serviu de norte para as quatro realizadas até o momento: Malha Paulista (Rumo) em maio de 2020; Ferrovia Vitória Minas e Estrada de Ferro Carajás (Vale) em dezembro daquele mesmo ano; e Malha Sudeste (MRS), em 29 de julho deste ano.  

Apesar do termo “vantajosidade” dar margem a análises subjetivas, a lei deixa explícita que a aprovação da renovação desse tipo de contrato implica antecipação de investimentos capazes de promover maior eficiência e aumento de capacidade. Trocando em miúdos: as prorrogações de contratos de concessão ferroviária estão condicionadas a grandes investimentos em curto prazo.

Não poderia ser diferente num país cujo governo reafirmou diversas vezes ter como meta levar as ferrovias a responderem por mais de 40% da matriz de transporte até 2030 - a derradeira saída para se evitar que o setor logístico seja estrangulado pela demanda crescente do agronegócio e dos diversos setores da indústria do Brasil.

A vantajosidade também deveria ser a premissa para a renovação da FCA, maior concessão brasileira em termos de extensão, com 7.860 quilômetros que passam por mais de 300 municípios nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. No entanto, a modelagem financeira desenhada para essa prorrogação segue na contramão do que foi firmado nos outros contratos de concessão.

Dos R$ 13,8 bilhões em investimentos previstos, mais de 10,5 bilhões serão destinados à manutenção da ferrovia. Dos R$ 3,3 bilhões que sobram para aumento de capacidade, mais de 75% estão reservados à compra de locomotivas e vagões, sem prazo definido e com alocação nos últimos cinco anos do contrato. Como o governo pode cogitar uma renovação que destine os recursos mais relevantes para daqui a duas décadas?

Há outros pontos discrepantes que merecem questionamentos. O primeiro é o fato de os estudos apresentados no projeto não apresentarem nenhuma destinação de recurso para resolução de conflitos urbanos.  Soma-se ainda a devolução de mais de 4.000 quilômetros de ferrovia, reduzindo em mais de 50% os trechos sob responsabilidade da concessionária, sem que sejam apresentadas alternativas para exploração dos trechos descartados e nem o cálculo das indenizações a serem pagas pela deterioração destes trechos, conforme deliberação do TCU no mês passado, em que recomendou à ANTT maior rigor na fiscalização e devolução de trechos abandonados.

Ainda nas entrelinhas das normativas da Lei 13.448/17 é exposta a necessidade de discutir as renovações antecipadas como parte estruturante do desenvolvimento do sistema de transporte ferroviário nacional. Neste sentido, apesar de abranger oito estados, os investimentos da renovação antecipada da FCA estão concentrados no trecho que passa por Minas Gerais, mais especificamente no trecho que alimenta o terminal portuário da VLI em Santos.

Finalmente, o aumento da capacidade operacional da ferrovia, prevista para os 35 anos do novo contrato, é de apenas 18% (de 28,2 milhões de toneladas/ano para 33,3 milhões de toneladas/ano), ou seja, menos de 0,5% por ano. 

É difícil entender as razões que levam o Ministério da Infraestrutura a seguir adiante com a prorrogação do contrato antecipado nos termos propostos e no apagar das luzes. Sem aumento de capacidade, sem antecipação de investimentos e sem soluções para os conflitos urbanos, seguiremos com uma ferrovia do século passado em atividade em pleno século XXI. À sociedade civil, resta a pergunta que segue sem resposta: qual a vantagem da renovação antecipada da concessão da FCA?

Bernardo Figueiredo é Economista de formação, já atuou como diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT); diretor administrativo e financeiro da Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias SA; diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF); e presidente da estatal EPL, a Empresa de Planejamento e Logística S.A.