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25/12/2023

Discussão do VLT pode viabilizar trem regional

Desativado há quase 30 anos, o transporte intermunicipal de passageiros por trem vive a expectativa de renascimento. Com a discussão em torno do VLT do subúrbio, da retomada do projeto da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e os investimentos previstos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a recuperação da malha ferroviária voltou à pauta.

No início desse mês, o Tribunal de Contas da União prorrogou, mais uma vez, a negociação entre os governos da Bahia e de Mato Grosso para a aquisição de 280 vagões comprados para o projeto de mobilidade da Copa 2014 e que estão sem uso. Esses vagões poderiam viabilizar a retomada do transporte ferroviário no subúrbio e abrir espaço para planos mais ambiciosos.

Estudos recentes, somados a uma grande pesquisa realizada há quase 10 anos, são a base da mobilização pelo Trem Regional, encabeçada pelo movimento “Ver de Trem”, que conta com apoio de diversas entidades e, no início desse mês, conseguiu sensibilizar o secretário da Casa Civil, Afonso Florence, que demonstrou interesse em avançar no diálogo.

Fundador do movimento Ver de Trem, ou Trem de Ferro, Gílson Vieira encaminhou uma carta ao secretário com as principais demandas e as possibilidades de integração de outros projetos já em pauta com a retomada do transporte de carga e de passageiros.

A proposta inclui, além do resgate da linha Salvador x Alagoinhas, passando por Simôes Filho (Mapele), Camaçari, São Sebastião do Passé e Dias d´Ávila, uma ligação com Feira de Santana. Outro trecho ligaria Conceição da Feira e Candeias a Salvador, se integrando com o transporte urbano a partir do subúrbio, desde Paripe até o Comércio e não mais somente até estação da Calçada. O secretário recebeu as sugestões de forma positiva.

“É importante ressaltar que este é um movimento que possui uma longa e exitosa trajetória. O Governo do Estado está desenvolvendo estudos sobre a origem, destino, demanda do transporte ferroviário numa perspectiva metropolitana com o metrô, que já avançou muito, com a possibilidade de integração com o VLT, também metropolitano, e com os estudos de viabilidade de um trem regional de conexão do sistema metroferroviário metropolitano. Mas não só metropolitano, porque além do trajeto que eles propõem, nós cogitamos de Alagoinhas eventualmente até Feira de Santana. Então seria um sistema ferroviário macro metropolitano”, disse Florence.

O projeto do trem regional conta ainda com apoio do deputado estadual Hilton Coelho (PSOL), que criou a campanha “Devolva nossos trilhos” e fez uma indicação ao governador Jerônimo Rodrigues (PT), para que garanta a implantação do Trem Regional de Passageiros nos trechos entre Salvador x Feira de Santana x Alagoinhas.

História

Criada no século 19, a linha férrea baiana passou a ser controlada pela União em 1957, com a criação da RFFSA (Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima) e se manteve ativa até 1996, quando foi privatizada no governo de Fernando Henrique Cardoso.

A concessão da Viação Centro Atlântica (VCA) durou 10 anos e foi repassada à VLI (Valor da Logística Integrada), cuja concessão vai até 2026. Desde a privatização, já são 27 anos sem transporte por trem entre Salvador e outros municípios. Mas é justamente a renovação dessa concessão que pode gerar os recursos necessários à recuperação do transporte de passageiros.

Recentemente, a VLI ofereceu ao governo baiano R$ 5 bilhões pela antecipação da renovação e mais R$ 1,2 bilhão para indenizar o estado pelo sucateamento de mais de 2 mil km de trilhos. Dessa multa pode sair o investimento necessário para reativar o trem de passageiros.

Ver de Trem

Fundador do movimento Trem de Ferro, ou Ver de Trem, Gílson Vieira desde 1986 luta pelo transporte ferroviário intermunicipal. Uma trajetória ricamente documentada nas páginas do jornal A TARDE. Foi dele a iniciativa de elaborar a carta para o governo, com apoio de entidades representativas e amparado em estudos de viabilidade.

Para Gílson, R$ 600 milhões seriam suficientes para revitalizar todo o trecho de Salvador a Alagoinhas, incluindo sinalização e veículos, que pode ser tanto o VLT ou um trem convencional, a exemplo do que é operado pela companhia Vale, no trecho que liga Minas Gerais ao Espírito Santo.

Os planos de Gílson, baseados em estudos realizados pela Escola Politécnica da UFBA, projetam a extensão do VLT do trecho Calçada-Paripe, passando pela Ilha de São João (S. Filho), Águas Claras e chegando a Piatã na via urbana.

As diferenças entre os trilhos do VLT e do trem regional seriam facilmente contornáveis a partir do compartilhamento das vias. O trem circularia mantendo a bitola métrica, já instalada até Alagoinhas. “A bitola métrica ainda vai durar décadas”, projeta Gílson, que acredita na adaptação para bitola mista à medida que o plano ferroviário nacional for implantado.

Com relação ao VLT, Gílson propõe a criação de um terceiro trilho, criando uma via central, que seria compartilhada entre os trens de carga e passageiros nos horários ociosos do transporte urbano, “O transporte de cargas sempre foi feito assim, na madrugada”.

Além da ligação entre os municípios, o Ver de Trem propõe a exploração do potencial turístico da Baia de Todos os Santos e a criação de programações especiais nas viagens de trem, que passariam a ser um produto cultural, gerando oportunidades nos setores gastronômico, musical e artístico.

Estudos feitos pelo SEBRAE Nacional em parceria com a ABOTTC – Associação dos Operadores dos Trens Turísticos Culturais, em 2010, viabilizaram o projeto “Trem é turismo”, incluindo o projeto Ver de Trem, em prática bem sucedida no trecho entre Calçada e Paripe.

Logística

O professor Juan Pedro Moreno, coordenador do Cetrama (Centro de Estudos de Transporte e Meio Ambiente) da escola Politécnica da UFBA foi um dos responsáveis pela pesquisa realizada em 2014 para avaliar a viabilidade do trem regional.

Para ele, a estruturação de um complexo de transporte metropolitano sobre trilhos é urgente. “Necessitamos de um plano macrometropolitano de transporte de carga e passageiros, interligando Salvador, Feira de Santana, Alagoinhas e Santo Antônio de Jesus”, defende.

Segundo Moreno, esse plano é estratégico para promover o desenvolvimento regional. O professor elege três demandas prioritárias para a consolidação desse sistema integrado sobre trilhos. Transporte de cargas com acesso ao porto de Salvador com bitolas compatíveis, trem de passageiros regional e linha urbana Paripe x Salvador, com extensão além da Calçada. “Não tem sentido VLT sem acesso ao centro de Salvador, no Mercado Modelo”, pondera, ressaltando a saturação do trânsito na região e as oportunidades de negócios que seriam geradas nas estações de embarque.

Em fevereiro desse ano, a Fundação Dom Cabral apresentou resultado de estudo contratado pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) confirmando o potencial de demanda por ferrovias no Estado da Bahia e a demanda de carga para justificar o investimento no transporte ferroviário.

Paulo Villa, diretor-executivo da Usuport, entidade que reúne os usuários de portos na Bahia, reforça a importância da malha ferroviária para o setor. “É o momento correto de discutir o planejamento geral de uma ferrovia estado da Bahia. Talvez estejamos um pouco atrasados”, diz Villa.

O dirigente vê o transporte de passageiros como elemento adicional no pleito pela retomada da linha férrea. “Se leva carga, leva passageiro”, sentencia. E adverte: “É necessário que a Bahia pense grande, se não pode ficar isolada logisticamente. O porto de Salvador é muito importante, não pode prescindir de uma ferrovia”.

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